Astorga
Como no dia anterior, iniciamos a jornada com um lindo céu azul, temperatura em elevação, mas amenizada pela altitude, numa paisagem maravilhosamente florida. O percurso se dividiu quase exatamente pela metade, entre uma subida gradativa, que nos levou à altitude em torno de 1.500m, no topo do Monte Irago, onde se encontra a famosa Cruz de Ferro, e a bem-vinda descida, que nos entregou, nem sempre suavemente, a Molina Seca e, no final, a Ponferrada, onde pernoitamos.

Depois dos dias de frio e chuva, a partir dos Pirineus, seguidos de três penosas jornadas contra o vento, era uma alegria ver o sol brilhar sobre os campos, alegria que vinha se renovando há alguns dias, a cada manhã e, ainda mais, no dia de hoje, a terceira manhã consecutiva numa paisagem primaveril, florida, cheia de cores.

Partindo de Astorga, o percurso de subida, no início bem suave, mas inclinando-se, gradativamente, a partir do final de seu segundo terço, se estende por cerca de 27km, até a Cruz de Ferro, donde se inicia a grande descida em direção ao vale dos rios Meruelo e Sil.

No começo, passamos por Valdevieras e Murias de Rechivaldo, seguindo o percurso da estrada de asfalto, e, depois, saindo para os caminhos de chão, ao largo de Castrillo de los Polvazares.



Ao chegar a Santa Catalina de Somoza, cruzamos por dentro o vilarejo e seguimos em frente, para também cruzar El Ganso e chegar, após ter percorrido cerca de 17km de planícies levemente ascendentes, ao Río Espinoso.




A partir de El Ganso e, especialmente, após cruzar o Río Espinoso, que passa um pouco adiante, a trilha se afasta da estrada e vai se tornando bem mais íngreme, no ponto em que encontramos a barraca do templário, com seu falcão domesticado, que também nos proporcionou um lindo carimbo, mostrando seu contorno distintivo.




Depois de vencer estas trilhas ascendentes, por entre os bosques desnudados e de solos pedregosos, que se seguem ao Río Espinoso, chegamos a Rabanal del Camino, um vilarejo encravado nas encostas rugosas das montanhas, sem muitas particularidades que o distinguam dos demais, que acima viemos apresentando, exceto o fato de inaugurar o trecho mais lindamente florido de todo o Caminho Francês, ao menos nessa primavera particularmente fria de 2.019.






A chegada à Cruz de Hierro é um momento sempre emocionante, para quem percorre o Caminho! Ela aparece como um estandarte, após cruzarmos uma curva suave da trilha, alçada sobre um monturo de pedras soltas que, diz a lenda, teriam sido, gradativamente, aí depositadas pelos peregrinos.

Na verdade, a lenda não faz muito sentido, porque há pedras no monturo que não poderiam ter sido transportadas manualmente, além do que, se assim fosse, o alto mastro em que repousa a cruz já estaria soterrado. De qualquer forma, não há dúvidas de que algumas aí foram depositadas por peregrinos, mormente as pequenas, e a imagem simbólica de pedras transportadas e empilhadas aos pés da cruz, representando os obstáculos e dificuldades do Caminho, é irresistível.

Do lado sul da Cruz de Ferro há uma área de estacionamento, onde parou, na hora em que chegamos, um ônibus cheio de turistas franceses, alguns dos quais se vê ao fundo da foto acima. Quando eu estava subindo o monturo da Cruz, parei em frente a um francês apressado, que descia, e o cumprimentei:
—Olá, Françoise!
Ele me olhou com surpresa e, ao mesmo tempo, preocupação, provavelmente buscando na memória de onde é que poderia conhecer este estranho que, imponderavelmente, mas de forma irrecorrível, sabia seu nome. Mas, na sequência, apontei para o crachá, que ele trazia no peito, onde se lia, em letras maiúsculas, seu nome, e sorri. Imediatamente, sorrimos, os dois (ele aliviado).
Depois, eu e Bia pegamos as nossas bicicletas e começamos a descer pela trilha, em direção a El Acebo, que fica quase na metade da grande descida e era onde iríamos almoçar. Mas, ainda era cedo para pensar no almoço. Assim, descemos com a leveza possível em tais inclinações, apreciando os campos floridos e as montanhas, que nessa área se tingiam do vermelho das pequenas flores que as cobriam.




Ao longo dessa descida, ainda não tão acentuada quanto aquela que viria depois, podia-se ver, de alguns pontos ao lado da estrada, a bela cidade antiga de Molina Seca, que assomava, azulada pela distância, lá no fundo do vale.

Ainda assim, apareciam alguns trechos de declive muito acentuado. Nesses, deixávamos a trilha para os andarilhos e seguíamos pela estrada de asfalto, com segurança.

Neste percurso, eu e Bia ficamos separados, porque fizemos diferentes opções entre trilha e estrada, ela preferindo, mais do que eu, a última. Então, tendo chegado primeiro que ela a El Acebo, pesquisei um lugar para almoçarmos e aguardei-a.
Quando ela também chegou, sentamos à mesa sob um dos toldos vermelhos, como esse, cuja ponta se vê na foto abaixo, e pedimos nosso almoço. Foi um menu peregrino, que não era grande coisa, mas a situação, por si só, de estarmos nessa improvável El Acebo, dependurada numa incrível descida, almoçando ao ar livre e tendo que segurar os guardanapos para que não fossem levados pelo vento, era bem legal.

Depois de El Acebo, não havia outra opção para o ciclista, que não a carretera. A descida se torna tão acentuada que o percurso pela trilha só resta possível para quem caminha. Mas, mesmo para quem controla sua descida com os freios da bicicleta, os panoramas que se descortinam são lindíssimos.


Após a parte mais acentuada e perigosa da descida, um pouco antes do vilarejo de Riego de Ambros, abandonamos, de novo, o asfalto e passamos por outros momentos de deslumbramento.

A trilha, aqui, volta a tomar um aspecto de sendero, com trechos técnicos de rochas expostas no piso e uma ou outra morada rural, à beira do caminho.

Riego de Ambros é uma pequena vila perdida na vertente final da montanha, quase à sua base. Com casas de adobe e de pedra, com aspecto simplório, e calçamento precário na tortuosa e única rua, parece ter parado no tempo.

Depois da vila, inicia-se uma trilha com calçamento muito irregular de pedras, que vai se tornando mais e mais inclinada, como se fosse o último suspiro da encosta de montanha, antes de repousar-se no vale. Em um momento, até se descaracterizou, enquanto calçamento, mostrando somente um afloramento de rochas, num plano rugoso, nem sempre horizontal, e cravejado de fendas perigosas para o ciclismo, até que, enfim e adiante, voltou a ser apenas um sendeiro, de terra pedregosa. Se adivinho o que o leitor está pensando, respondo que sim: houve um ou outro ponto em que foi necessário desmontar e conduzir, à pé, a bicicleta. Neste trecho, Bia preferiu seguir pelo asfalto e me aguardar em Molina Seca.


A volta a um piso de chão que poderíamos chamar de “normal”, durou pouco. Logo depois, entramos em uma área bastante acidentada, em que a vegetação de arbustos da montanha deu lugar a grandes árvores, campos e vinhas, mas também a curvas fechadas e descidas repentinamente acentuadas. Num determinado ponto, o vento trazia uma fina pãina branca, que não pude identificar de onde vinha e que envolveu a paisagem, como se fosse neve caindo de um céu de límpido azul e formando um cenário de deslumbrante beleza:

Envolto nesse deslumbramento, cheguei a Molina Seca, para encontrar sua bela ponte medieval, pela qual cruzei o Río Meruelo. Bia me aguardava, próximo à ponte, num estado de elevação parecido, de modo que fizemos uma pausa, para conversar e trocar essas experiências.


Depois de cruzar as ruas estreitas de Molina Seca, o caminho para Ponferrada transcorreu sem incidentes. Numa nova bifurcação, em que o Caminho se afasta da estrada principal, eu e Bia nos separamos de novo. Eu segui pela trilha e ela pela estrada, com o encontro marcado para o final do trajeto do dia, na praça principal da cidade.

À entrada da cidade, cruzei mais uma ponte memorável, para atravessar o Río Boeza, por sobre um grande arco de pedra.

Depois segui pelo traçado do Caminho que eu havia colhido na internet e dei com uma rua sem saída, interrompida no ponto de cruzamento de uma via férrea. Mais uma vez, parecia que o trajeto havia sido alterado. Voltei um pouco e, logo, encontrei a sinalização, por setas amarelas, indicando o novo traçado. Cruzei a ferrovia por uma passagem inferior e segui adiante. Logo me vi frente ao impressionante castelo de Ponferrada.


Depois, subi pela rua que acompanha a lateral do Castelo e parei num café, logo abaixo da praça que se alcança ao passar pela porta do relógio, para tomar uma Coca-Cola, porque ali era o final do trajeto do dia, conforme a rota que trazíamos nos Gps.

Dali a pouco, Bia me ligou para dizer que havia chegado pelo outro lado do centro e me aguardava numa outra praça, além do relógio. Terminei o refrigerante e fui encontrá-la. Me falou que não vira o castelo, que logo propus mostrar-lhe.
Então fomos ao castelo, passeamos um pouco e procuramos um hotel para descansar desse longo e admirável dia.


Resumo do dia 13 – Caminho de Santiago
Percurso: de Astorga a Ponferrada
Distância e ganho de elevação: 56,1km com 910,4m de ganho de elevação
Até amanhã!
