Saímos de Moratinos às 9:12h, com um lindo céu azul e um vento suave a favor. Frio? —Sim, como em todos os dias, por aqui, mas nem se notava, porque a delícia da manhã fulgurante de primavera impedia reparar.

Vista da desembocadura do Arroyo Del Parazuelo no rio Cea, em Sahagún

Foi um dia ainda mais longo que ontem, com mais de 73km de pedal por pradarias de uma planície que parecia sem fim, não fossem as montanhas que se vislumbrava, longe, na linha do horizonte.

Na saída da cidade de Moratinos, registrei um exemplar típico das casas de adobe, que foram, por séculos, padrão nestas paragens. A argamassa era obtida pela mistura de argila com estrume e funcionava perfeitamente (e sem nenhum cheiro), como pudemos constatar.

Casa de adobe, em Moratinos

A caminho de Sahagún, a estrada, os campos cultivados e os bosques brilhavam no ar frio e seco da manhã.

Campos na área rural de Moratinos
Gralha, pousada à beira da estrada

Um pouco antes de chegarmos a Sahagún, cruzamos uma bela ponte, sobre o Río Valderaduey, e passamos por duas estruturas que abrigavam estátuas de cruzados, em tamanho um pouco maior que o natural, ladeando a estrada e formando uma espécie de portal, que me fez sentir dentro da trama do Senhor dos Anéis.

Ponte medieval sobre o rio Valderaduey
Estátua de cruzado ao lado da estrada. Havia outra semelhante em frente, formando um portal

Passamos por Sahagun apreciando o casario e paramos um pouco, para hidratar, em frente ao imponente Arco de San Benito, que na verdade não é um arco de triunfo, mas o portal de entrada do Real Monastério de São Benito, que fica do lado direito da foto que está abaixo.

Seguindo adiante, cruzamos a grande ponte de pedra sobre o Río Cea e prosseguimos, passando por Bercianos Del Camino, de pouco interesse turístico.

Grande ponte sobre o Río Cea
O rio Cea, de águas claras e limpas, ainda que tendo percorrido todo o vale e cruzado várias cidades

Se Bercianos não interessou, o mesmo não se pode dizer das paisagens do caminho, com seus campos emoldurados de flores silvestres que não cansávamos de admirar.

O destino seguinte, El Burgo Ranero, nos ofereceu simpáticas cegonhas, em seus ninhos equilibrados no telhado da torre da igreja, e bons bocadillos (sanduíches) de jamon y queso.

Passamos ao largo de Santas Martas, cruzamos, por dentro, a minúscula Reliegos e seguimos, sempre pela mesma e interminável planície. Montanhas só no horizonte.

Montanhas no horizonte longínquo, em Santas Marias
Estrada pavimentada que nos levava através da planície
Mais uma casa tradicional de adobe, esta em Reliegos
Peregrinos equestres, em Santas Marias

E nesse clima pastoral, percorremos os quase 50km que separam Moratinos de Mansilla de las Mulas, passando pelas estruturas remanescentes do antigo Portal de Santiago, na verdade uma das portas da cidade medieval murada, que assim ficou conhecida por ser a entrada por onde chegavam os peregrinos. E depois, seguimos as marcas que indicavam o Caminho, pelas velhas vielas da cidade antiga.

Estrutura remanescente do Portal de Santiago
Concha dourada, marca tradicional do Caminho, num frontão de mureta

Um pouco depois de deixar Mansilla de Las Mulas, desviamos-nos do caminho, na direção de Mansilla Mayor, para visitar o Monastério de Santa Maria de Sandoval, anunciado com pompa, numa grande placa da estrada. Cerca de 3,5km depois, chegamos ao monastério, de fato às ruínas do que fora o monastério, restando apenas sua igreja de pé. Um mico. Será?

Retornando ao nosso trajeto original, à altura de Villasabariego, descobrimos porque há tanta carne de Ternera (bovina), nos menus, mas quase não vemos gado nos campos. Num canto ao lado da estrada havia um galpão e, em frente a ele, um grupo de vaquinhas, de criação confinada, tomava sol.

Perto dali, um pouco adiante, cruzamos o rio Porma por uma novíssima ponte metálica, construída especialmente para os peregrinos. Ao lado, estendia-se a ponte rodoviária, que estava sendo reformada e alargada, mas, veja só, aproveitando as estruturas de pedra antigas.

Rio Porma: ponte antiga e a nova, exclusiva dos peregrinos
Alargamento e recuperação da ponte, mantendo as estruturas antigas de pedra
Vista do rio Porma, a partir da ponte dos peregrinos

Como é sempre preciso uma boa exceção, para confirmar a regra, em Villaturiel, encontramos gado solto num pasto, incluindo um belo toro.

Em Arcahueja e Valdefresno, cruzamos as únicas colinas de toda a região. No topo da primeira fica uma pracinha singela, com parque infantil.

Praça em Arcahueja
Subida de colina, ao largo de Valdefresno

E, porque não?, Valdefresno, além de raras subidas, nos deu belas flores. Assim como Puente Del Castro, ofereceu cegonhas.

No final, para fechar o percurso com chave de ouro, entramos na capital do belo reino de León, pela majestosa Puente Castro, onde o rio Torio se divide em vários canais.

A famosa Puente Castro, sobre o rio Torio

Acima, dois dois canais em que se divide o rio Torio, na altura da Puente Castro

Ainda neste delicioso dia, passamos pela muralha dupla da León medieval, pela igreja de Santa Maria Del Camino, pela catedral, com seus incríveis vitrais, que visitaríamos no dia seguinte, além de outros locais importantes.

Dupla muralha da cidadela de León
Torre e entrada da igreja de Santa Maria Del Camino
Símbolo do reino, o leão, na lateral da igreja de Sta Maria
Grande obra do arquiteto catalão Gaudí, hoje museu dedicado ao artista
Catedral de León
Entrada de um colégio
Restaurante do Hostal Bocalino, onde pegamos carimbo do Camino

Depois de tantas aventuras, para descansar, decidimos fazer o primeiro dia de descanso nessa linda cidade. Então, selecionamos, pelo booking.com, um pequeno estúdio bem perto do centro, que era uma gracinha. Tinha jeito de Airb&b, com uma micro cozinha equipada, com tudo novo em folha. Muito legal. Chama-se León Studios.

Neste décimo dia de viagem, meu pé esquerdo doía mais intensamente que no dia anterior. Comecei a recapitular as pequenas ações que fazemos automaticamente, sem pensar. Verifiquei a posição dos clips; tudo normal. Então, percebi que a dor estava exatamente sob o ponto onde se localiza a trava que fixa a aba que funciona como cadarço da sapatilha:

Também recordei de que muitas vezes, durante os pedais, eu era obrigado a reajustar as sapatilhas, porque as travas afrouxavam sozinhas, principalmente o pé esquerdo, e as línguas eram “engolidas” lateralmente, expondo a frente dos pés e o interior dos calçados à entrada de pó. Tomei, então, consciência de que, instintivamente, a cada ajuste desses, eu apertava mais as travas, na tentativa de impedir que de novo se soltassem. Em resumo, meu tornozelo estava sendo “enforcado” pela sapatilha, com a minha colaboração.

Como minha cinta do frequencímetro tinha dado defeito na véspera, resolvi aproveitar também o dia de descanso para comprar uma nova sapatilha e cinta. A sapatilha engolidora e assassina é o modelo da shimano da foto. Fuja dela! Não compre e avise quem for comprar.

Quanto à dor, que tinha se tornado intensa, iniciei um tratamento de 36 horas com o anti-inflamatório que a Dra Lucimara recomenda, Cicladol, que funcionou perfeitamente. Um a cada 12 horas.

Resumo do dia 10 – Caminho de Santiago

Percurso: de Moratinos a León

Distância e ganho de elevação: 73,7km com 460,3m de ganho de elevação

Até amanhã!

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